O Governo de José Eduardo dos Santos admitiu hoje falhas (que até são graves) no apoio aos 230.000 antigos militares que não foram integrados nas Forças Armadas, mas lembrou – claro está! – que os estados que “davam quase tudo de graça” aos cidadãos foram à falência.
A posição foi assumida na Assembleia Nacional, em Luanda, pelo vice-Presidente da República, Manuel Vicente, ao ler o anual discurso sobre o estado da nação, no arranque do novo ano parlamentar, em nome do Presidente da República (no poder há 36 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito).
Aludindo à crise financeira que o país vive, devido à redução das receitas com o petróleo e à inépcia de não ter diversificado a economia ao longo dos 40 anos em que o MPLA está no governo, que levou a um corte de 50% na despesa corrente do Estado e de 53% no investimento público, o discurso enfatizou que, apesar deste cenário, o Estado “continua a assegurar, sem rupturas, o essencial da prestação de serviços públicos e dos serviços sociais”.
O mesmo acontece com a garantia do “funcionamento normal” das Forças de Defesa e Segurança, “em particular a reintegração sócio-económica dos ex-militares, dos quais 112.000 já estão neste momento reintegrados”.
Contudo, como reconheceu (em teoria reconhece todos os anos por esta altura) o chefe de Estado, o número de efectivos que combateram na guerra civil, não integrados nas Forças Armadas Angolanas (FAA), e que pertenciam às FAPLA (MPLA) e às FALA (UNITA) – a guerra civil terminou em 2002 -, é superior.
“Calcula-se que sejam mais ou menos 110.000, de um lado, e 120.000 do outro, isto é, cerca de 230.000 homens. Se tivermos em conta que muitos tinham mulheres e filhos, o conjunto de pessoas a assistir ultrapassava certamente os 600.000 indivíduos”, destacou, na sua intervenção, Manuel Vicente.
E não custa destacar. Aliás, certamente que para o ano serão menos. E para 2017 ainda menos…
Acrescentou Manuel Vicente que “não é realista pensar que o Governo pudesse resolver este tremendo problema com a atribuição de uma pensão a cada ex-militar”, pois “nunca teria dinheiro suficiente para esse efeito”.
É verdade. Além disso, a prioridade financeira ao longo dos últimos 40 anos tem sido dotar o clã presidencial de meios financeiros para que o país tenha, por exemplo, a mulher mais rica de África, por sinal filha do Presidente. É certo que Isabel dos Santos começou a enriquecer vendendo ovos nas ruas de Luanda e, é claro, não tem culpa de os ovos serem de… ouro.
“Os programas de integração social e produtiva adoptados não foram muito eficazes e os problemas permanecem por resolver”, reconheceu.
A solução, em alternativa à aplicação de um imposto sobre os rendimentos dos trabalhadores e das empresas para constituir um fundo e pagar as pensões a estes ex-militares, poderá passar, disse, por arranjar trabalho ou pequenos negócios para que cada um desses antigos combatentes possa “gerar rendimentos para o sustento das suas famílias”.
“É a [opção] mais justa e, por isso, os governos provinciais e os ministérios do sector produtivo deveriam adoptar e executar com celeridade programas para resolver esta situação”, apontou.
As FAA e a Polícia Nacional (do regime), explicou ainda, devem igualmente avançar com programas próprios que contribuam para a produção de alimentos, vestuário ou calçado, e para satisfazer as suas necessidades, bem como para a construção de infra-estruturas civis, utilizando as capacidades da engenharia militar para apoiar o Estado.
“Há experiências similares bem-sucedidas no Egipto, em Cuba, na China e em França nas quais nos podemos inspirar. Não nos podemos esquecer que nos chamados Estados Providência, em que os governos davam quase tudo de graça aos cidadãos, os seus regimes entraram em crise ou foram à falência”, concluiu o vice-Presidente Manuel Vicente.